O que define Liberdade de Software em Software Livre?

Uma das coisas mais polêmicas na GPL e no software Livre em geral é a questão da “liberdade”. Free as in Speech, not as in beer (Livre como em Liberdade de Expressão, e não como em cerveja liberada) pode ser considerado o grande mote do Software Livre, sendo um dos fundamentos, inclusive citado o tempo todo por Richard Stallman, o fundador, o hacker, o ativista, o guru de programação. E esse preceito não deixa de ser um belo mote, pois lembra o antigo mote da Revolução Francesa: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Porém, recente notícia da Reuters que afirma que a FSF poderia estar tomando atitudes para impedir a Novell de vender sua distribuição (termo “equivalente” a variante ou empacotamento) do sistema operacional Linux pode ser um estopim negativo para a FSF, uma vez que isso meio que derruba por terra o mote do SL.
Por que a FSF estaria fazendo isso é uma pergunta com resposta óbvia: seria uma “vingança” pela suposta “traição” da Novell, ao esta ter entrado em um acordo de interoperabilidade com ninguém menos que a Microsoft. Depois de diversas reações negativas, como o protesto dos desenvolvedores do SaMBa e do pessoal da FSF, esse anúncio foi o primeiro anúncio de represália real contra o acordo Microvell.
OK, e qual minha opinião disso tudo? Ela é simples: se a FSF tomar essa atitude, ela estará fazendo mais mal para o Software Livre do que bem.
Antes que os trolls venham me acusar de vendido e de alienado ou de qualquer outra coisa, vamos aos fatos:

  1. A própria definição de liberdade adotada pela FSF determina que um software deve obedever a alguns critérios para ser considerado livre, a saber:

O que é o Software Livre? – O Projeto GNU e a Fundação para o Software Livre (FSF)

  • A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito (liberdade no. 0)
  • A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as suas necessidades (liberdade no. 1). Acesso ao código-fonte é um pré-requisito para esta liberdade.
  • A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao seu próximo (liberdade no. 2).
  • A liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie (liberdade no. 3). Acesso ao código-fonte é um pré-requisito para esta liberdade.

Como podemos ver, a Novell não está, de forma alguma (ao menos até onde sei), violando quaisquer desses direitos. Na realidade, como a própria FSF afirma em seu site, não é contra nenhuma dessas liberdades revender um pacote de software livre. Como ela afirma em seu site em um outro artigo:

Vender Software Livre – O Projeto GNU e a Fundação pelo Software Livre (FSF)

Exceto para uma situação em especial, a Licença Pública Geral da GNU (GNU GPL) não especifica o quanto pode ser cobrado para distribuir uma cópia de software livre. Você pode cobrar nada, um centavo, um dólar ou um bilhão de dólares. Depende de você e do mercado, portanto não reclame conosco se ninguém quiser pagar um bilhão de dólares por uma cópia.
A única exceção é o caso em que binários são distribuídos sem o correspondente código fonte completo. Aqueles que fazem isso são obrigados, pela GNU GPL, a fornecer o código fonte atendendo a pedidos posteriores. Sem um limite para a taxa pelo código fonte, eles poderiam determinar uma taxa tão grande a ser paga — como um bilhão de dólares — e, portanto, fingir que disponibilizam o código fonte, enquanto que, na verdade, o escondem. Então, nesse caso, devemos limitar a taxa pelo código, a fim de garantir a liberdade do usuário. Em situações comuns, entretanto, não há motivos para limitar taxas de distribuições, portanto, não as limitamos.
A verdade é que a Novell de forma nenhuma vem bloqueando acesso aos sources de quaisquer pacotes de software livre, sejam eles distribuídos ou não por ela. Desse modo, não consigo ver nenhuma ilegalidade que permitiria a tomada de ação da FSF.

  1. No lado MS, não vejo também problemas, até porque isso iria contra as ambições das gigante de Redmond. Não se deixe levar pelos comentários de Steve “Developers” Ballmer. Por mais que a MS fale isso, ela tem ferrolhos que iriam a prejudicar em uma possível tentativa de “ferrar” o software livre:
    1. Primeiro, tem o fato de que ela tem uma disputa contra o Open Document Format (ODF), que ela quer vencer a todo custo com seu Microsoft OpenOffice XML (MSOOXML). Uma das partes do acordo seria que a Novell contribuiria com a integração das soluções Linux a esse formato de arquivo. Ora, quando falamos nisso, queremos dizer Abiword, OpenOffice.org (BrOffice.org) e KOffice. Além disso, existe a questão dos movimentos da MS para tornar o OOXML um padrão ISO, como já o é o ODF. Existe uma coisa importante aqui: se a MS tornar o OOXML um padrão, ela não terá como escapar da liberdade. E mesmo que não consiga, se quiser interoperar com os softwares citado, os códigos deverão ser licenciados segundo licenças livres ou, na pior das hipóteses, abertas, o que permitiria seu estudo e a geração de códigos livres;
    2. Acredito que a GPL, combinada aos princípios do SL citados anteriormente, deixam as regras claras sobre o tipo de coisa a ser feita. São regras simples e, como toda regra simples, são fortes e fáceis de serem “reforçadas”. A idéia é que, por mais que a MS possa tentar Abraçar e Extender o OOXML, muitos recursos básicos ficariam a salvo disso, e no final das contas acabaria pouco interessante para a MS, uma vez que os recursos avançados não poderiam ser acessados, o que criaria um crescente desconforto em relação a tudo isso e quebraria a compatibilidade, o que resultaria em farpas sérias contra a MS;
    3. A questão mercadológica do FLOSS (Free/Libre/Open Sourced Software) está cada vez mais evidente, assim como suas vantagens e desvantagens. Se os pioneiros se atiravam nas migrações procurando um Santo Graal financeiro, atualmente as migrações serão cada vez mais “puritanas”, com planejamento, treinamento e afins. A MS não tem tanto a perder nisso quanto se imagina: claro que acontecerão movimentos de volta, e não é nosso foco aqui comentar isso. O importante é que a MS está percebendo que o cliente quer interoperabilidade, e que isso é importante, como disse Ian Murdock. Na realidade, a interoperabilidade é um processo sem volta no mercado da informática;
    4. A MS ainda é mal vista pelas suas práticas monopolistas. Não falo aqui apenas de processos por monopólio. A questão agora é a imagem que a MS está tendo, e que está cada vez mais arranhada. Ela tem que tomar muito cuidado com as suas atitudes, pois agora, por incrível que possa parecer, a “mão invisível”, para tomar emprestado o termo de Adam Smith, está contra ela. Ela pode “apagar incêndios” com acordos aqui e ali, mas ela ainda é mal vista, e isso pode ser um fiel na balança;

Quando falo que a FSF pode se prejudicar, digo que isso se deve ao fato de SL envolver também a possibilidade de redistribuir o mesmo (Liberdade 2). Se nenhuma violação à GPL for detectada, não há como, sem violar os próprios princípios que defende, a FSF impedir que a Novell redistribua qualquer software livre. O fato de formar um acordo com a MS não é considerado violação da GPL, e nem o uso de patentes que tenham declarado-se royalty-free. E existe uma coisa: uma patente royalty-free não pode começar a cobrar royalties retroativamente em nenhum sistema jurídico que reconheça o princípio do direito adquirido.
Não acredito que a FSF tome uma atitude como essa e que, caso ela tome, ela ganhe algo com isso. Existe uma questão aqui que é outra liberdade, a de escolha. Se a FSF partir para uma atitude como essa, estará interferindo na liberdade de escolha do usuário, o que irá provocar mais danos à FSF do que à MS ou à Novell. Pelo que se saiba, quem tem o hábito de estrangular a liberdade de escolha dos usuários é a MS. Será que a FSF deseja tanto assim pegar a mesma reputação da MS?
O assunto ainda vai dar o que falar, mas creio que vai acabar em nada. Sou um otimista por natureza, e creio que nem MS, nem Novell, nem FSF têm interesse em ver uma guerra explodir por causa desse acordo. A MS tá manchada demais para entrar nesse tipo de escaramuça, a Novell não tem poder de fogo para tanto mesmo com o Microvell e tudo o mais, e a FSF teria sua imagem e sua credibilidade arranhada. Basta ver que mesmo RMS afirma que o acordo Microvell não viola a GPL. Desse modo, duvido que haverão ações contra o acordo Microvell, ao menos a curto prazo.
Por fim, acredito que a FSF perceberá que ela criou regras claras, e que essas regras devem valer para todos. Espero sinceramente que isso se resolva da melhor maneira possível. Acredito que FSF, Novell e MS têm muito a contribuir com o SL e com a Informática como um todo, desde que compreendam que, como diria Arnaldo Césa Coelho, “A Regra é Clara!”

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Sobre Fábio Emilio Costa
Linux, Free Software, EMACS, Rugby, Indycar, Doctor Who, Harry Potter... Yep, this is me!

One Response to O que define Liberdade de Software em Software Livre?

  1. Fabio Reina says:

    Concordo com seu ponto de vista … mas, nem sempre as regras são respeitadas neste jogo.

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